Costumo dividir os homens da Grécia Antiga que escreveram sobre história - ou sobre historiadores o que quase sempre leva a escrever sobre história também - em dois grupos:
A) Retórico/Maravilhoso
Em A, temos o próprio início da História, com Heródoto. Para começar, ele não escreveu sua obra para ser lida, mas para ser ouvida, ainda na fronteira entre a oralidade e a escrita na sociedade grega. É sabido que ele leu sua obra durante os Jogos em Olímpia no ano 460 a.C. durante os grandes festivais da 80a. Olimpíada.
Assim, a idéia de Heródoto era escrever uma história prazerosa ao ouvido, que atraisse a audiência, e que tinha muitas conexões com a poesia épica declamada pelos Aedos. Mas Heródoto tinha descoberto algo mais. Havia método em seus relatos. E embora desse atenção a mitos impossíveis como Árion saindo da boca do delfim entre outros, ele mesmo desculpava-se avisando que relatava "o que se conta" . Mas não desmentia muitas das suas versões e seu relato sobre o Egito por exemplo, é considerado completamente fantasioso. Embora talvez tenhamos aqui um certo exagero.
B) Crítico/Analítico
Em B, temos Tucídides, iniciando uma longa tradição sobre o que a História deveria ser e o que os Historiadores quiseram ser - cf. Finley (1960) - pelo menos até o século XIX, fazendo de Tucídides o mais influente escritor de História de toda a História da História....
É conhecida outra lenda deste momento precursor da História, outro mito fundante...as lágrimas de Tucídides. Que teria se emocionado ao ouvir Heródoto ainda jovem e decidido naquele momento sua vocação. E que mais tarde decidiria superar o homem que lhe inspirou - e que talvez tenha sido seu mestre, jamais saberemos.
Essa dicotomia entre o Retórico-Maravilhoso - doravante RM - e o Crítico-Analítico, doravante CA, já não existe mais. Hoje em dia ao historiador profissional não se admite que viva de fábulas ou que as espalhe e o rigor quanto ao documento é cada vez maior. Há mesmo exageros no sentido de algumas correntes só aceitaram documentos no sentido jurídico do que é um documento. Perspectiva falha, que penso que tira da História sua dimensão própria de trabalho.
Apesar disso, o apreço pelo documento encerrou o RM como opção de trabalho histórico. Ao tempo de Heródoto e Tucídides - separados por cerca de 20 anos, quando um era jovem, o outro já era maduro - a divisão ainda existia. O que me chamou a atenção para ela, foram as críticas de Dionísio, um conterrâneo de Heródoto que viveu em Halicarnasso 4 séculos depois do ilustre precursor.
Dionísio faz acerca do trabalho de Tucídides - que está longe da objetividade que se busca hoje, e mesmo da excelência metodológica e documental dos padrões atuais - uma série de observações que bem, cada um pode julgar por si: Dionísio diz que Tucídides escolheu um tema muito pobre, uma guerra de gregos contra gregos, e que por isso o trabalho de Heródoto seria superior, pois tinha como objeto um tema mais nobre, uma guerra entre gregos e bárbaros, vencida pelos gregos...
É quase o 'zelo de prosélito' - acusação comum que se faz a Tucídides quanto a omissão em seu relato, de algumas manobras políticas de Péricles - de Dionísio em relação a Heródoto, seu conterrãneo e figura aparentada a nobreza local.
A seguir listamos alguns historiadores e escritores de História antigos classificando-os conforme sua abordagem RM ou CA.
RM
Heródoto - 484-420
Ctésias - início sec. IV - Persika
Timeu - Maior autoridade para a História dos Gregos Ocidentais e da Sicília, por vezes se deixa levar pelo maravilhoso
Clitarco de Alexandria - c. 350-300 a.C.
Megástenes - c. 350-290. Próxeno na Índia. 1o. grego a escrever sobre a História do país.
Éforo - sec. IV a. C. Outro que, como Timeu, pode ser enquadrado em ambos os grupos dada sua importância.
Teopompo - 377-320. Possível discípulo do orador Isócrates.
Calístenes - Parente de Aristóteles, acompanhou Alexandre Magno em suas viagens.
Hecateu de Abdera - apogeu c 315-285.
----- A partir daqui temos um período intenso de escritores do gênero História, estimulados pelo ciclo Alexandrino, dos Diádocos e dos Epígonos.
Onesícrito - Historiador de Alexandre, apogeu na década de 320 a. C.
Policlito de Larissa - Historiador de Alexandre
Dúris de Samos - Também tirano de Samos após 322 a.C.
Neantes de Cízico - Século III a.C.
Antíclides - Século III
Filarco - 2a metade do século III
Cecílio de Calacta - sec. I a.C.
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CA
Tucídides - m. c. 400 a.C.
Filisto - Estadista siracusano c 430-356 (muito criticado por autores gregos por seu suporte e amizade com tiranos, especificante os de Siracusa, Dionisio I e II
Xenofonte - Objetivo, mas sem o mesmo talento de Tucídides, prosa confusa.
Historiador de Oxirrinco - autor do Papiro, provavelmente Cratipo.
Jerônimo de Cardia - 364-260
Aristobulo de Cassandreia - c. 300 a.C. - Historiador de Alexandre
Maneton - Apesar de sacerdote egípcio, sua obra é considerada objetiva e foi escrita provavelmente a pedido de Ptolomeu II. Tinha por objetivo contar a história da religião egípcia aos novos monarcas gregos. Teria sido o 1o egípcio a escrever em grego. Fez uso de Heródoto e Hecateu.
Eratóstenes - erudito. N. c. 280. Chefe da Biblioteca de Alexandria.
Filócoro - Antiquário m. em 263/2
Istro - fim do séc. III
Polémon - c. 180 a.C.
Agatárquides - viveu em Alexandria sob Ptolomeu VI a VIII.
Apolodoro de Artemita - c 140 a.C.
Políbio - Maior historiador do período da dominação romana, procurou explicá-la e justificá-la.
Alexandre Polistor - apogeu 80-50.
Diodoro Sículo - Sec. I O maior valor de sua obra consiste na compilação de autores que se perderam.
Obviamente esta taxonomia não é definitiva, mas sim passível de críticas. Minha maior incerteza é quanto a Timeu. Possivelmente muito injustiçado, graças a Políbio, mas procurou traçar sua História desde os mitos. E por isso está entre os RM. Apenas lembramos que sua obra está quase na totalidade perdida e que a parte final tem grande valor. Nenhum historiador dos gregos ocidentais que lhe seguiu deixa de mencioná-lo.
E obviamente que esta lista é limitada. Em Die Fragmenta der Grieschichen Historiker de Jacoby há 856 historiadores e escritores de História gregos listados.
E claro, que não são todos.
Resta a pergunta: se Heródoto sentiu que podia ultrapassar o mito, mas não o fez e Tucídides desenvolveu o seu método a ponto de colocar explicações humanas para eventos humanos... que queria Heródoto ???
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