terça-feira, 19 de junho de 2012

A MORTE DE ALEXANDRE MAGNO PARTE II - Uma morte em duas versões.

O debate sobre se Alexandre morreu de doença ou veneno pode ser reduzido ao incrível - e patético - nível de uma briga partidária. Os dois textos que Robin Lane Fox * (consultar o final do artigo) nos apresenta como sendo as fontes originais de tudo que se escreveu depois, apontam para isso.

De um lado, aqueles que apoiavam a sucessão da cada macedônica de Filipe II e seu filho Alexandre, chefiados por Poliperconte. De outro estavam os generais, cada um desejoso de herdar o Império Alexandrino, e que acabariam por dividi-lo duas décadas mais tarde. 

A fonte que aponta para a morte como doença era o suporte dos generais e talvez tenha sido fabricada por eles para combater a fonte que aponta a morte por envenenamento, que teria sido composta e divulgada pelos partidários da continuidade - ou seja, aqueles que apoiavam a dinastia de Alexandre, os Argéadas e planejavam entronizar seu filho póstumo, Alexandre IV, que Roxane esperava quando Alexandre suspostamente morreu em 323 a.C.

É fato conhecido que durante seu breve reinado (336-323 a.C.) Alexandre enfrentou várias conspirações. Não foi devido à natureza particular do rei macedônio, que além de encolerizar-se fácil, era homem de muitos talentos, o que facilmente provoca a inveja daqueles que o cercam, embora encha a quase todos de admiração. Não. O problema das conspirações era endêmico na Macedônia. Filipe II, o pai de Alexandre enfrentou algumas, e acabou sendo morto em uma delas. Na Macedônia eram comuns as deposições de reis, os usurpadores, os massacres de parentes e personagens de sangue real que pudessem aspirar à nobreza.


No dizer de Fox, "após todos os seus muitos mistérios, seria improvável que Alexandre morresse de forma comum". Seus oficiais procuraram não dar detalhes sobre sua morte num primeiro momento. E esse fato contribuiu para o surgimento de ainda mais rumores sobre como e porque Alexandre teria morrido. O tema da Morte de Alexandre seria recorrente nos conflitos entre os generais e cada um usava livremente a morte de Alexandre como uma acusação gratuita de crime lançada sobre os demais, sem muito respeito pela verdade.


Todas as possíveis respostas para o mistério começam na noite de 29 de maio de 323, quando houve uma festa na cada de Medius, um Companheiro ** da Tessália.  Alexandre ficou bebendo noite adentro e durante o banquete, propôs um brinde a Proteas bebendo de uma taça de 3/4 de litro e Proteas respondeu propondo um brinde ao rei. Mais tarde Proteas propôs outro brinde a Alexandre e deu-lhe a mesma taça. Alexandre aceitou o brinde e bebeu da taça de um gole só, mas desfaleceu e não pode recuperar-se, sendo levado da festa para seu palácio. Como resultado disso ele caiu doente e dessa doença, morreu.


O autor deste relato é Efipo, conhecido por espalhar fofocas.  Segue outro relato da mesma festa.


Ao final do jantar de Medius, Alexandre recitou uma passagem da Andrômeda de Eurípides que tinha memorizado. Após isso, bebeu à saúde de todos os 20 convidados do banquete, um vinho não misturado***. Todos os convidados fizeram o mesmo brinde a ele. Após retirar-se da festa, não passou muito tempo até que começou o declínio de sua saúde.

O autor desta versão seria um certo Nicóbulo, autor desconhecido.




Aqui a história fica interessante, porque estamos diante de um problema clássico em História: não é o que é contado que é interessante, mas quem contou e porque.


A questão seguinte que Fox nos propõe é: além de Medius, quem eram os outros 19 convidados ?


 Esse é o ponto em que Fox nos descreve o surgimento de dois documentos que são a base de um embate entre duas versões:

a) De um lado um panfleto nunca encontrado, mas presente no Romance de Alexandre, texto ficcional composto uns 500 anos depois e muito popular na Idade Média. Segundo Fox seu estilo e informações gerais remetem a uma época 10 anos posterior ao evento da morte de Alexandre, como se fossem documentos encontrados sobre sua morte por pessoas que estiveram presentes ao fato, mas só escreveram sobre ele alguns anos depois. Esse texto sobrevive em quatro versões, 3 das quais dão detalhes sobre a morte de Alexandre. Segundo Fox é possível identificar nas versões uma fonte só, que merece ser levada a sério. Ela contém a lista completa de convidados presentes no  banquete.


b) De outro, um relato chamado Os Diários Reais de Alexandre que seriam uma compilação atribuída a Eumenes, secretário pessoal de Alexandre, e um certo Diódoto. Esse documento descreveria em detalhes a progressão da doença de Alexandre, dia a dia. Sobrevivem apenas 3 longas passagens que o descrevem caçando, em banquetes ou jogando dados. Estas passagens se concentram sobretudo no último mês de vida de Alexandre.Os Diários insistem sobre bebedeiras contumazes de Alexandre, retratando longos períodos de sono para recuperar-se.



Será que já ficou claro quual versão os Realistas - apoiadores da casa real de Alexandre - apoiavam e qual relato os generais ambiciosos por herdar seu império defendiam ?

Prossseguiremos na parte III. Até mais.


* Robin Lane Fox é autor da biografia de Alexandre mais vendida na História segundo ele mesmo diz e possivelmente tem razão, uma vez que é a mais vendida no ranking da Amazon. RBL foi consultor histórico do filme Alexandre e explica algumas liberdades tomadas durante o filme, alterando versões populares e mais conhecidas e/ou documentadas da vida e da morte do herói. "Cinema não é História, é espetáculo", diz Fox e tem nisso muita razão.


** Os Companheiros a Cavalo eram a guarda pessoal de Filipe, pai de Alexandre inicialmente. Ainda no tempo de Filipe, já tinham se tornado uma tropa de elite e sob Alexandre, chegaram a ter entre 1600 e 2400 cavaleiros. Os amigos mais próximos de Alexandre comandavam esquadrões dessa unidade. Havia também os Companheiros a Pé, nomeados assim por Alexandre, embora os batalhões já existissem antes, como componentes da Falange.

*** Sendo o vinho na antiguidade muito pesado, em virtude de não sofrer a mesma destilação dos vinhos de hoje, era costume misturá-lo à água para evitar efeitos nocivos à saúde. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem quiser comentar, a boca é livre / Please leave a comment