John Keegan dispensa apresentações. Mas como sempre tem quem não conheça, basta dizer que ele foi professor da Cátedra de História Militar da Academia Militar de Sandhurst, Grã-Bretanha por 25 anos.
E Sandhurst não é qq coisa. Não é apenas uma das 6 academias de excelência especializadas em formar militares do mundo. É a mais tradicional delas.
Posso dizer com certo conforto que Keegan é o maior historiador militar vivo. Seguido de perto por Victor Davis Hanson que dada sua produção e o fato de ser mais novo deve sucedê-lo em breve. Aliás, Hanson começou sua carreira mandando um trabalho seu para Keegan, que apesar de receber mto "material não-solicitado" como ele próprio diz, entusiasmou-se com um trabalho acadêmico de Hanson - The Western Way of War - e o prefaciou qdo foi lançado para o grande público.
Mas vamos ao q interessa. Estou lendo o livro de Keegan II World War - até onde sei sem tradução no Brasil assim como o seu I World War - e achei tantos detalhes interessantes, que resolvi anotá-los para posterior referência.
Melhor ainda, resolvi traduzí-los e publicá-los. Quem quiser comentar, a bronca é livre.
1 - As doutrinas aéreas dos países envolvidos. A crença no poder aéreo como arma definitiva.
A crença que forças aéreas poderiam suplantar forças navais e terrestres como instrumentos de poder vencedores de guerras ganhou força antes e mais profundamente em 3 países: EUA, Grã-Bretanha e Itália. Nos EUA, isolacionista após 1918 e vulnerável apenas a um ataque transoceânico, era a habilidade do avião de destruir frotas de batalha que chamava mais a atenção. Experimentos bem-sucedidos no bombardeio aéreo de couraçados alemães capturados fizeram o expoente americano da independência do poder aéreo, General William Mitchel, articular pela formação de uma força aérea independente. E o fez com tal insubordinação vigorosa, que teve de defender seu ponto de vista ante a Corte Marcial em 1925. A Grã-Bretanha, comprometida com a defesa tanto do Império quanto da Metrópole, e experimentada em bombardeio 'estratégico' ao final da I GM contra a Alemanha, tinha criado uma Força Aérea autônoma em 1918, a qual formulou seu próprio conceito empírico em larga escala de sustar ofensivas através de operações aéreas independentes. Curiosamente foi na Itália que uma teoria da defesa aérea mais abrangente emergiu na sua forma mais desenvolvida. Giulio Douhet, universalmente conhecido como o Mahan (senão o Clausewitz) do poder aéreo, parece ter chegado a essa visão da 'vitória através do poder aéreo' por uma compreensão da futilidade das táticas de artilharia da I GM. No seu livro Supremacia Aérea (1921) ele argumentou que, ao invés de bombardear a periferia do território inimigo com bombas incendiárias onde poderia causar apenas danos materiais ao que estivesse concentrado ali, a lógica da era aérea requeria que se mirasse os centros da produção de guerra do inimigo e se alvejasse as fábricas e os operários que faziam as armas. A percepção de Douhet foi condicionada pela experiência da Itália na I GM, a qual tinha lutado em fronts pequenos dominados por artilharia que era suprida por fábricas localizadas na atual Eslováquia não mto distantes dos próprios aeródromos.
A teoria de Douhet se extendia para uma crença de que o bombardeiro iria se tornar imune a contra-medidas defensivas, fossem estas baseadas em caças ou canhões antiaéreos e que uma ofensiva de bombardeiros atingiria seu efeito tão rápido que o resultado de guerras futuras seria decidido antes que a mobilização dos exércitos e frotas estivesse completa. Nesse aspecto, ele era um verdadeiro visionário, uma vez que ele previu a lógica do 'primeiro ataque' da guerra nuclear.
Ele insistia então, que o bombardeiro de longa-distância, carregando bombas incendiárias de queda livre, poderia dar o golpe decisivo - e alguns poucos o seguiram nessa idéia. A Força Aérea do Exército dos EUA, quando entrou na II GM em massa em 1942, acreditou que suas avançadas Fortalezas Voadoras, construídas para incorporar o ideal de Douhet, eram os instrumentos da 'vitória pelo poder aéreo'; o desaprendizado dessa concepção errônea nos raids de penetração profunda de 1943 foi doloroso. A Real Força Aérea [Britânica], cujo compromisso com o bombardeio estratégico era mais pragmático do que doutrinário, esperava menos de suas ofensivas iniciais contra a Alemanha (e atingiu ainda menos do que esperava). A Luftwaffe de 1939-40 não adotava teoria alguma de bombardeio estratégico; em 1933 ela tinha examinado a capacidade da Alemanha de construir e operar uma frota de bombardeiros de longo alcance e concluiu que o esforço requerido excedia sua capacidade industrial mesmo a médio prazo. Seus chefes, a maioria ex-oficiais do exército, devotaram-se portanto a fazer da Luftwaffe uma arma de suporte às tropas terrestres, e este era seu papel ainda durante a Batalha da França, apesar da reputação que ela tinha ganhado como instrumento de destruição em masse desde os ataques contra Varsóvia e Rotterdam.